domingo, 19 de dezembro de 2021

O meu apoio para Bastonário

O PRR pode ajudar? Uma vez que estamos a concorrer com toda a Europa, para captar engenheiros terá de se subir preços...
Pode, se Portugal souber valorizar-se. Nos últimos dois ou três anos entregámos mais de metade das contratualizações a empresas estrangeiras. Na construção, praticamente todas eram espanholas. A riqueza não fica cá. Estamos a produzir trabalho para exportar riqueza e isso não pode acontecer. Temos de criar ferramentas para salvaguarda do interesse nacional. Numa contratação pública, independentemente de bem aplicada a livre concorrência e a transparência de mercado, se há cadernos de encargos inerentes e cláusulas contratuais, que já se pode fazer à medida de Portugal, e se pede que o engenheiro responsável da obra da construtora tenha 20 anos de experiência profissional, dos quais dez em ferrovia, é grave porque não tivemos nos últimos 20 anos ferrovia desenvolvida aqui. Estamos a entregar os trabalhos a empresas estrangeiras. São essas cláusulas de blindagem que têm de salvaguardar a liderança do exercício técnico para empresas portuguesas. Bastava pedir dez anos de experiência em vias de comunicação e transportes e resolvia-se o assunto. Há pormenores que fazem imensa diferença e impactam na riqueza que pode ou não ficar em Portugal. São estas intervenções que queremos ter em conjunto com quem decide, transformar a intervenção dos nossos engenheiros através da sua associação representativa, não só como executores mas também decisores, até nas políticas que interessam a Portugal.

Estamos prestes a conhecer o vencedor do concurso internacional para desenvolver a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) para definir a localização do Novo Aeroporto de Lisboa. O trabalho vai ter 16 meses. Os engenheiros não conseguem trabalhar mais depressa ou são os políticos eternizam problemas?
Para processos complexos há soluções complexas, mas esse caso tem duas nuances: essa dimensão da demora é uma. Podia demorar menos com a imposição de prazos... Em 2008, o LNEC levou seis meses a fazer o trabalho, embora com menos zonas mapeadas potencialmente aeroportuárias.
A demora tem muitas vezes que ver com a qualidade da resposta e da responsabilidade técnica. Aqui a questão é saber qual é a responsabilidade técnica da AAE, se existe, se está indexada, se é feita por pessoas altamente qualificadas... porque isso obriga a uma conjugação de intervenções e subpartes que pode demorar. Mas entendo que 16 meses para fazer um estudo, por mais que seja a obra principal do país dos próximos tempos, é demais. Se isso demora 16 meses, quanto demorará o projeto completo?

Qual seria a melhor localização?
Pelo lado da Ordem, vamos lançar um debate rápido, com prazo apertado, para ter uma posição oficial na defesa da salvaguarda de Portugal. Sendo que não há posições unânimes. A minha é que queremos ter o tríplice Europa/Ásia/ América temos de ter um grande aeroporto na zona de Lisboa que permita uma concentração de voos e distribuição de pessoas, de identidade portuguesa, que nos beneficie. Tipo Barajas em Madrid. Sob esse ponto de vista não pode haver pulverização, tem de haver um aeroporto central muito grande. Por isso defendo Alcochete.

A Ordem vai trabalhar para ter um estudo paralelo à AAE?
Isso não, pode é comentá-la se o governo o requerer. O que vai fazer é lançar debate para determinar a posição oficial sobre a localização.

O PRR está aí à porta. Portugal tem engenheiros para executar tantos milhões?
Era bom poder responder afirmativamente, mas não tem. É uma das centralidades da nossa candidatura alertar e querer ajudar a resolver esse problema, porque não vamos ter capacidade técnica suficiente para o que o Estado se propõe fazer nos próximos dez anos.

E onde se pode ir buscar?
Temos de pôr isto em duas dimensões: se pensarmos que vamos ter 50 mil milhões de investimento na década e já estamos aflitos com 2,5 mil milhões anuais, já não temos engenheiros, e se pensarmos que os nossos emigrantes não voltam - e se voltassem teriam dificuldade em preencher as necessidades do país -, acho que temos de ter claras políticas de imigração qualificada e integrada num plano de combate ao défice demográfico português. Nós queremos ajudar à solução e temos propostas.

Para fazer obra e família?
Também. Há um exemplo dos anos 70, o Luxemburgo, que não tinha população ativa suficiente e fez um trabalho social intenso, chegando a dois países "finalistas" para apostar na imigração deles: jugoslavos e portugueses. Apostaram em nós e hoje há portugueses ou seus descendentes em posições de liderança. Nós temos de ser proativos e não reativos. Já tem havido movimentações com a fileira da construção para tentar acelerar questões de imigração setorial, mas é complicado, porque a fileira ainda não é vista como motor da economia, mesmo que o seja - e com o PRR e o PT2030 será mais.

Que especialidades têm mais dificuldade de encontrar mão-de-obra especializada?
Todas, ainda que por razões diferentes. As áreas tradicionais têm hoje muito menos procura nos cursos, cria-se menos fornadas de engenheiros, por razões sociológicas, da crise na construção da última década, por exemplo, a procura diminuiu imenso. E emigrou imensa gente - só na construção há um défice de 70 mil profissionais. Depois, se pensarmos no PRR e no PT2030, que são baseados na transição digital, na ação climática, nas infraestruturas e na mobilidade, é tudo engenharia, seja das novas tecnologias seja das engenharias clássicas. E nas novas áreas temos um problema delicado: sendo desmaterializadas, os nossos jovens engenheiros emigram às vezes até sem saírem de Portugal.

Isso também abre oportunidade para captar pessoas de fora.
Provavelmente, mas precisamos das tais políticas de imigração setorial e profissional para complementar as nossas faltas. Nós queremos ser parte da solução e também estamos preocupados com a valorização dos engenheiros. Tem existido nos últimos anos uma política de contratualização pública que prejudica as empresas portuguesas, nalguns casos em particular os engenheiros. Os preços base abaixo do valor de referência do mercado levam a que as empresas, para ter trabalho, tenham de diminuir preços, para o que baixam margem ou vão só para sobreviver. Isso faz que não consigam subir salários e provoca dumping salarial - uma evidência nos últimos anos na engenharia - com a agravante de as empresas não conseguirem riqueza, que é o que provoca inovação e internacionalização. Portanto, indiretamente, o Estado está a prejudicar-se a si próprio ao não ter empresas musculadas.