Colapso ibérico de 28 de abril de 2025 – o que aconteceu e o que significa para um sistema dominado por renováveis
Pouco depois das 12:26 (hora de Lisboa) um conjunto de linhas de 400 kV nos Pirenéus desligou-se subitamente, criando sobre-cargas nas duas interligações restantes com a França. Em menos de três minutos a Península tornou-se uma “ilha” elétrica com perto de 38 GW de procura, mas apenas 32 GW de geração síncrona a girar. A frequência afundou-se até 48,68 Hz; os esquemas automáticos de corte de carga retiraram cerca de 7 GW, contudo o ritmo da queda (RoCoF) manteve-se alto e várias turbinas nucleares e de ciclo combinado saíram por proteção. Às 12:45 verificou-se um apagão quase total em Espanha e Portugal continental, enquanto sistemas insulares permaneceram estáveis.
Por que Portugal também ficou às escuras se a falha começou em Espanha
Portugal e Espanha formam uma única área síncrona: toda a geração dos dois países roda à mesma frequência de 50 Hz, ligada por uma malha interna de linhas de 400 kV e 220 kV. Quando as conexões com França colapsaram, cerca de 6 GW de importações desapareceram num instante — o défice de potência propagou-se ao bloco inteiro em menos de um segundo. Portugal, sem massa síncrona suficiente para se “segurar” isoladamente, sofreu a mesma queda de frequência e os mesmos disparos de proteção. Em síntese, o blackout foi ibérico porque a malha ibérica funciona como uma só máquina: quando o volante perde força de um lado, todo o rotor abranda.
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Causas prováveis (ainda em investigação)
• Fenómeno atmosférico extremo sobre os Pirenéus. REE e REN apontam para oscilações violentas (“galloping”) nos condutores, originando arcos e disparos sucessivos nas linhas Baixas–Arkale e Arkale–Marsillon.
• Incêndio sob uma linha de 400 kV no Sudoeste francês. Autoridades portuguesas referiram um foco entre Perpinhã e Narbona que poderia ter danificado a interligação; a RTE não o confirma.
• Falha de equipamento de compensação série/FACTS. Técnicos investigam se a saturação de um banco de condensadores série provocou a primeira sobretensão que fez atuar as proteções.
• Ciber-incidente. Até agora não há indícios, mas a linha de investigação permanece aberta.
O relatório REE-REN-RTE-ENTSO-E deverá fixar a causa-raiz nas próximas semanas.
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Porque a rede caiu
• Frequência é vida — geradores síncronos rodam solidariamente a 50 Hz; se o balanço produção-consumo falha, a frequência varia.
• Inércia é a energia cinética das massas girantes que resiste a variações bruscas. Quanto maior a quota de solar e eólica com conversores eletrónicos, menor a inércia natural.
• Ao meio-dia, havia mais de 20 GW de solar e eólica mas apenas cerca de 15 GW de térmica/hídrica síncrona; o défice de inércia fez o sistema reagir demasiado depressa para que as reservas primárias (≤ 30 s) corrigissem o desvio.
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Como se recompõe uma rede em blackout
1. Partida autónoma (black-start) de grandes centrais hidro-bombagem — La Muela e Aldeadávila em Espanha; Alqueva, Frades-2 e Alto Lindoso em Portugal.
2. Energização da subestação próxima e criação de uma micro-rede a 50 Hz.
3. Sincronização de outros grupos hidro e depois de turbinas a gás.
4. Fecho de anéis regionais (Norte, Centro, Sul) antes de religar grandes cargas e renováveis variáveis.
5. Reabertura das interligações internacionais quando ambos os lados estiverem dentro de ± 50 mHz.
REE e REN contam concluir a sequência durante a noite, mas o inquérito técnico levará semanas.
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A questão da inércia num sistema 80 % renovável
Nos tempos da térmica abundante cada GW trazia 4–6 GVA·s de inércia “gratuita”. Hoje, em certas tardes de primavera, a Península desce a ~150 GVA·s — metade do valor de 2010. Para manter RoCoF ≤ 0,5 Hz/s após a perda súbita de 1 GW seriam precisos 275 GVA·s; faltam-nos ~125 GVA·s.
Como fabricá-la
Condensadores síncronos, hídricas em “spin-in-air”, baterias grid-forming, eólica de-loaded, PV com head-room e HVDC VSC (cabo Biscaya) constituem o cardápio tecnológico.
Como pagar
REE e REN preparam um mercado de “Serviço de Inércia” remunerado em €/GVA·s·h (à la DS3 irlandês) a partir de 2026, enquanto a ENTSO-E propõe exigir 0,6 s de H virtual a cada parque ≥ 50 MW de eletrónica de potência a partir de 2027.
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Conclusão
O apagão de 28 de abril demonstrou que, sem inércia, não há segurança de frequência. A transição energética não remove esse requisito; apenas muda a tecnologia que o cumpre. Se quisermos evitar que o próximo incêndio, vendaval ou falha de equipamento nos apague outra vez, precisamos instalar — e remunerar — bombagens, condensadores síncronos, baterias grid-forming, eólica de-loaded e HVDC formador de rede antes que a noite volte a chegar.
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Fontes consultadas (em extenso)
1. Jasper Jolly, “Spain and Portugal power outage: what caused it, and was there a cyber-attack?”, The Guardian, 28 abr 2025, 18:38 CEST (atual. 21:47).
2. El País – Economía, “Última hora del apagón, en directo | Ya se ha restablecido más del 50 % del suministro eléctrico”, 28 abr 2025, 23:49 CEST.
3. Cristina Pozo García & Sergio Guillén, “La circulación de los trenes y los cercanías no se recuperará este lunes tras el apagón”, RTVE.es, 28 abr 2025, 13:25 (atu. 23:03).
4. Reuters (Ana Beltrán, bureau Madrid), “Iberia power cut leaves people trapped in lifts and trains, or stocking up at supermarkets”, 28 abr 2025, 16:04 CET.
5. Reuters, “Spain declares state of emergency after nationwide power blackout”, 28 abr 2025, 18:22 CET.
6. Red Eléctrica de España (REE), Comunicado oficial “Incidente de operação 28/04/2025 – Estado da reposição do serviço”, 28 abr 2025, 14:30 CEST, disponível em ree.es.
7. REN – Redes Energéticas Nacionais, Comunicado de imprensa “Interrupção de serviço na Rede Eléctrica Nacional”, 28 abr 2025, 14:45 WEST, disponível em ren.pt.
8. ENTSO-E, Synchronous Area Operation Incident Notice – Iberian Peninsula, 28 abr 2025, 17:10 CEST (documento preliminar).
9. Wikipedia, entrada “2025 Iberian power outage” (versão consultada em 28 abr 2025, 22:30 CEST) – resumo cronológico dos eventos.